terça-feira, 25 de novembro de 2008

capitulo2

CAPÍTULO 2

A evolução da ciência psicologia

PSICOLOGIA E HISTÓRIA

Toda e qualquer produção humana — uma cadeira, uma religião,

um computador, uma obra de arte, uma teoria científica — tem por trás

de si a contribuição de inúmeros homens, que, num tempo anterior ao

presente, fizeram indagações, realizaram descobertas, inventaram

técnicas e desenvolveram idéias, isto é, por trás de qualquer produção

material ou espiritual, existe a História.

Compreender, em profundidade, algo que compõe o nosso mundo

significa recuperar sua história. O passado e o futuro sempre estão no

presente, enquanto base constitutiva e enquanto projeto. Por exemplo,

todos nós temos uma história pessoal e nos tornamos pouco

compreensíveis se não recorremos a ela e à nossa perspectiva de futuro

para entendermos quem somos e por que somos de uma determinada

forma.

Esta história pode ser mais ou menos longa para os diferentes

aspectos da produção humana. No caso da Psicologia, a história tem por

volta de dois milênios. Esse tempo refere-se à Psicologia no Ocidente,

que começa entre os gregos, no período anterior à era cristã.

Para compreender a diversidade com que a Psicologia se

apresenta hoje, é indispensável recuperar sua história. A história de sua

construção está ligada, em cada momento histórico, às exigências de

conhecimento da humanidade, às demais áreas do conhecimento

humano e aos novos desafios colocados pela realidade econômica e

social e pela insaciável necessidade do homem de compreender a si

mesmo. [pg. 31]

A PSICOLOGIA

ENTRE OS GREGOS: OS PRIMÓRDIOS

A história do pensamento humano tem um momento áureo na

Antiguidade, entre os gregos, particularmente no período de 700 a.C. até

a dominação romana, às vésperas da era cristã.

Os gregos foram o povo mais evoluído nessa época. Uma

produção minimamente planejada e bem-sucedida permitiu a construção

das primeiras cidades-estados (pólis). A manutenção dessas cidades

implicava a necessidade de mais riquezas, as quais alimentavam,

também, o poderio dos cidadãos (membros da classe dominante na

Grécia Antiga). Assim, iniciaram a conquista de novos territórios

(Mediterrâneo, Ásia Menor, chegando quase até a China), que geraram

riquezas na forma de escravos para trabalhar nas cidades e na forma de

Partenon — uma das mais belas produções da arquitetura da Grécia Antiga (séc.

5 a.C).

tributos pagos pelos territórios conquistados.

As riquezas geraram crescimento, e este crescimento exigia

soluções práticas para a arquitetura, para a agricultura e para a

organização social. Isso explica os avanços na Física, na Geometria, na

teoria política (inclusive com a criação do conceito de democracia).

Tais avanços permitiram que o cidadão se ocupasse das coisas do

espírito, como a Filosofia e a arte. Alguns homens, como Platão e

Aristóteles, dedicaram-se a compreender esse espírito empreendedor do

conquistador grego, ou seja, a Filosofia começou a especular em torno

do homem e da sua interioridade.

É entre os filósofos gregos que surge a primeira tentativa de

sistematizar uma Psicologia. O próprio termo psicologia vem do grego

psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Portanto,

[pg. 32]

etimologicamente, psicologia significa “estudo da alma”. A alma

ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e

abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a

irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção.

Os filósofos pré-socráticos (assim chamados por antecederem

Sócrates, filósofo grego) preocupavam-se em definir a relação do homem

com o mundo através da percepção. Discutiam se o mundo existe

porque o homem o vê ou se o homem vê um mundo que já existe. Havia

uma oposição entre os idealistas (a idéia forma o mundo) e os

materialistas (a matéria que forma o mundo já é dada para a

percepção).

Mas é com Sócrates (469-399 a.C.) que a Psicologia na

Antiguidade ganha consistência. Sua principal preocupação era com o

limite que separa o homem dos animais. Desta forma, postulava que a

principal característica humana era a razão. A razão permitia ao homem

sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade. Ao

definir a razão como peculiaridade do homem ou como essência

humana, Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela

Psicologia. As teorias da consciência são, de certa forma, frutos dessa

primeira sistematização na Filosofia.

O passo seguinte é dado por Platão (427-347

a.C.), discípulo de Sócrates. Esse filósofo procurou

definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo.

Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se

encontra a alma do homem. A medula seria, portanto,

o elemento de ligação da alma com o corpo. Este

elemento de ligação era necessário porque Platão

concebia a alma separada do corpo. Quando alguém

morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma

ficava livre para ocupar outro corpo.

Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de Platão, foi

um dos mais importantes pensadores da história da

Filosofia. Sua contribuição foi inovadora ao postular

que alma e corpo não podem ser dissociados. Para

Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida.

Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta

possui a sua psyché ou alma. Desta forma, os

vegetais, os animais e o homem teriam alma. Os

vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela

função de alimentação e reprodução. Os animais

teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a função

de percepção e movimento. E o homem teria os dois

níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante.

Esse filósofo chegou a estudar as diferenças entre a razão, a

percepção e as sensações. Esse estudo está sistematizado no Da

anima, que pode ser considerado o primeiro tratado em Psicologia. [pg.33]

Portanto, 2 300 anos antes do advento da Psicologia científica, os

gregos já haviam formulado duas “teorias”: a platônica, que postulava a

imortalidade da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica,

que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao

corpo.

A PSICOLOGIA NO

IMPÉRIO ROMANO E NA IDADE MÉDIA

Às vésperas da era cristã, surge um novo império que iria dominar

a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Uma

das principais características desse período é o aparecimento e

desenvolvimento do cristianismo — uma força religiosa que passa a força

política dominante. Mesmo com as invasões bárbaras, por volta de 400

d.C, que levam à desorganização econômica e ao esfacelamento dos

territórios, o cristianismo sobrevive e até se fortalece, tornando-se a

religião principal da Idade Média, período que então se inicia. [pg. 34]

E falar de Psicologia nesse período é relacioná-la ao conhecimento

religioso, já que, ao lado do poder econômico e político, a Igreja Católica

também monopolizava o saber e, conseqüentemente, o estudo do

psiquismo.

Nesse sentido, dois grandes filósofos representam esse período:

Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274).

Santo Agostinho, inspirado em Platão,

também fazia uma cisão entre alma e corpo.

Entretanto, para ele, a alma não era

somente a sede da razão, mas a prova de

uma manifestação divina no homem. A alma

era imortal por ser o elemento que liga o

homem a Deus. E, sendo a alma também a

sede do pensamento, a Igreja passa a se

preocupar também com sua compreensão.

São Tomás de Aquino viveu num

período que prenunciava a ruptura da Igreja

Católica, o aparecimento do protestantismo — uma época que preparava

a transição para o capitalismo, com a revolução francesa e a revolução

industrial na Inglaterra. Essa crise econômica e social leva ao

questionamento da Igreja e dos conhecimentos produzidos por ela.

Dessa forma, foi preciso encontrar novas justificativas para a relação

entre Deus e o homem. São Tomás de Aquino foi buscar em Aristóteles a

distinção entre essência e existência. Como o filósofo grego, considera

que o homem, na sua essência, busca a perfeição através de sua

existência. Porém, introduzindo o ponto de vista religioso, ao contrário de

Aristóteles, afirma que somente Deus seria capaz de reunir a essência e

a existência, em termos de igualdade. Portanto, a busca de perfeição

pelo homem seria a busca de Deus.

São Tomás de Aquino encontra argumentos racionais para

justificar os dogmas da Igreja e continua garantindo para ela o monopólio

do estudo do psiquismo.

Santo Agostinho — pintura em

madeira de Michael Pacher.

A PSICOLOGIA NO RENASCIMENTO

Pouco mais de 200 anos após a morte de São Tomás de Aquino,

tem início uma época de transformações radicais no mundo europeu. É o

Renascimento ou Renascença. O mercantilismo leva à descoberta de

novas terras (a América, o caminho para as Índias, a rota [pg. 35]

do Pacífico), e isto propicia a acumulação de riquezas pelas nações em

formação, como França, Itália, Espanha, Inglaterra. Na transição para o

capitalismo, começa a emergir uma nova forma de organização

econômica e social. Dá-se, também, um processo de valorização do

homem.

As transformações ocorrem em todos os

setores da produção humana. Por volta de 1300,

Dante escreve A Divina Comédia; entre 1475 e

1478, Leonardo da Vinci pinta o quadro

Anunciação; em 1484, Boticelli pinta o Nascimento

de Vênus; em 1501, Michelangelo esculpe o Davi;

e, em 1513, Maquiavel escreve O Príncipe, obra

clássica da política.

As ciências também conhecem um grande

avanço. Em 1543, Copérnico causa uma revolução

no conhecimento humano mostrando que o nosso

planeta não é o centro do universo. Em 1610,

Galileu estuda a queda dos corpos, realizando as primeiras experiências

da Física moderna. Esse avanço na produção de conhecimentos propicia

o início da sistematização do conhecimento científico — começam a se

estabelecer métodos e regras básicas para a construção do

conhecimento científico.

Neste período, René Descartes (1596-1659), um dos filósofos que

mais contribuiu para o avanço da ciência, postula a separação entre

mente (alma, espírito) e corpo, afirmando que o homem possui uma

substância material e uma substância pensante, e que o corpo,

desprovido do espírito, é apenas uma máquina. Esse dualismo mente-

Davi, de Michelangelo

corpo torna possível o estudo do corpo humano morto, o que era

impensável nos séculos anteriores (o corpo era considerado sagrado

pela Igreja, por ser a sede da alma), e dessa forma possibilita o avanço

da Anatomia e da Fisiologia, que iria contribuir em muito para o

progresso da própria Psicologia. [pg. 36]

A ORIGEM DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA

No século 19, destaca-se o papel da ciência, e seu avanço tornase

necessário. O crescimento da nova ordem econômica — o capitalismo

— traz consigo o processo de industrialização, para o qual a ciência

deveria dar respostas e soluções práticas no campo da técnica. Há,

então, um impulso muito grande para o desenvolvimento da ciência,

enquanto um sustentáculo da nova ordem econômica e social, e dos

problemas colocados por ela.

Para uma melhor compreensão, retomemos algumas

características da sociedade feudal e capitalista emergente, sendo esta

responsável por mudanças que marcariam a história da humanidade.

Na sociedade feudal, com modo de produção voltado para a

Lição de anatomia, de Rembrandt: a dessacralização do corpo

subsistência, a terra era a principal fonte de produção. A relação do

senhor e do servo era típica de uma economia fechada, na qual uma

hierarquia rígida estava estabelecida, não havendo mobilidade social.

Era uma sociedade estável, em que predominava uma visão de um

universo estático — um mundo natural organizado e hierárquico, em que

a verdade era sempre decorrente de revelações. Nesse mundo vivia um

homem que tinha seu lugar social definido a partir do nascimento. A

razão estava submetida à fé como garantia de centralização do poder. A

autoridade era o critério de verdade. Esse mundo fechado e esse

universo finito refletiam e justificavam a hierarquia social inquestionável

do feudo.

O capitalismo pôs esse mundo em movimento, com a necessidade

de abastecer mercados e produzir cada vez mais: buscou novas

matérias-primas na Natureza; criou necessidades; contratou o trabalho

de muitos que, por sua vez, tornavam-se consumidores das mercadorias

produzidas; questionou as hierarquias para derrubar a nobreza e o clero

de seus lugares há tantos séculos estabilizados.

O universo também foi posto em movimento. O Sol tornou-se o

centro do universo, que passou a ser visto sem hierarquizações. O

homem, por sua vez, deixou de ser o centro do universo

(antropocentrismo), passando a ser concebido como um ser livre, capaz

de construir seu futuro. O servo, liberto de seu vínculo com a terra, pôde

escolhei seu trabalho e seu lugar social. Com isso, o capitalismo tornou

todos os homens consumidores, em potencial, das mercadorias

produzidas,

O conhecimento tornou-se independente da fé. Os dogmas da

Igreja foram questionados. O mundo se moveu. A racionalidade do

homem apareceu, então, como a grande possibilidade de construção do

conhecimento. [pg. 37]

A burguesia, que disputava o poder e surgia como nova classe

social e econômica, defendia a emancipação do homem para emanciparse

também. Era preciso quebrar a idéia de universo estável para poder

transformá-lo. Era preciso questionar a Natureza como algo dado para

viabilizar a sua exploração em busca de matérias-primas.

Estavam dadas as condições materiais para o desenvolvimento da

ciência moderna. As idéias dominantes fermentaram essa construção: o

conhecimento como fruto da razão; a possibilidade de desvendar a

Natureza e suas leis pela observação rigorosa e objetiva. A busca de um

método rigoroso, que possibilitasse a observação para a descoberta

dessas leis, apontava a necessidade de os homens construírem novas

formas de produzir conhecimento — que não era mais estabelecido pelos

dogmas religiosos e/ou pela autoridade eclesial. Sentiu-se necessidade

da ciência.

Nesse período, surgem

homens como Hegel, que

demonstra a importância da

História para a compreensão do

homem, e Darwin, que enterra o

antropocentrismo com sua tese

evolucionista. A ciência avança

tanto, que se torna um

referencial para a visão de

mundo. A partir dessa época, a

noção de verdade passa,

necessariamente, a contar com

o aval da ciência. A própria

Filosofia adapta-se aos novos

tempos, com o surgimento do

Positivismo de Augusto Comte,

que postulava a necessidade de

maior rigor científico na

construção dos conhecimentos nas ciências humanas. Desta forma,

propunha o método da ciência natural, a Física, como modelo de

construção de conhecimento. [pg. 38]

O capitalismo moveu o mundo, produzindo

mercadorias e necessidades.

É em meados do século 19 que os problemas e temas da

Psicologia, até então estudados exclusivamente pelos filósofos, passam

a ser, também, investigados pela Fisiologia e pela Neurofisiologia em

particular. Os avanços que atingiram também essa área levaram à

formulação de teorias sobre o sistema nervoso central, demonstrando

que o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram

produtos desse sistema.

É preciso lembrar que esse mundo capitalista trouxe consigo a

máquina. Ah! A máquina! Que criação fantástica do homem! E foi tão

fantástica que passou a determinar a forma de ver o mundo. O mundo

como uma máquina; o mundo como um relógio. Todo o universo passou

a ser pensado como uma máquina, isto é, podemos conhecer o seu

funcionamento, a sua regularidade, o que nos possibilita o conhecimento

de suas leis. Esta forma de pensar atingiu também as ciências do

homem.

Para se conhecer o psiquismo humano passa a ser necessário

compreender os mecanismos e o funcionamento da máquina de pensar

do homem — seu cérebro. Assim, a Psicologia começa a trilhar os

caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia.

Algumas descobertas são extremamente relevantes para a

Psicologia. Por exemplo, por volta de 1846, a Neurologia descobre que a

doença mental é fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores

sobre as células cerebrais.

A Neuroanatomia descobre que a atividade motora nem sempre

está ligada à consciência, por não estar necessariamente na

dependência dos centros cerebrais superiores. Por exemplo, quando

alguém queima a mão em uma chapa quente, primeiro tira-a da chapa

para depois perceber o que aconteceu. Esse fenômeno chama-se

reflexo, e o estímulo que chega à medula espinhal, antes de chegar aos

centros cerebrais superiores, recebe uma ordem para a resposta, que é

tirar a mão.

O caminho natural que os fisiologistas da época seguiam, quando

passavam a se interessar pelo fenômeno psicológico enquanto estudo

científico, era a Psicofísica. Estudavam, por exemplo, a fisiologia do

olho e a percepção das cores. As cores eram estudadas como fenômeno

da Física, e a percepção, como fenômeno da Psicologia.

Por volta de 1860, temos a formulação de uma importante lei no

campo da Psicofísica. É a Lei de Fechner-Weber, que estabelece a

relação entre estímulo e sensação, permitindo a sua mensuração.

Segundo Fechner e Weber, a diferença que sentimos ao aumentarmos a

intensidade de iluminação de uma lâmpada de 100 para 110 [pg. 39]

watts será a mesma sentida quando aumentamos a intensidade de

iluminação de 1000 para 1100 watts, isto é, a percepção aumenta em

progressão aritmética, enquanto o estímulo varia em progressão

geométrica.

Essa lei teve muita importância na história da Psicologia porque

instaurou a possibilidade de medida do fenômeno psicológico, o que até

então era considerado impossível. Dessa forma, os fenômenos

psicológicos vão adquirindo status de científicos, porque, para a

concepção de ciência da época, o que não era mensurável não era

passível de estudo científico.

Outra contribuição muito importante nesses primórdios da

Psicologia científica é a de Wilhelm Wundt (1832-1926). Wundt cria na

Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para

realizar experimentos na área de Psicofisiologia. Por esse fato e por sua

extensa produção teórica na área, ele é considerado o pai da Psicologia

moderna ou científica.

Wundt desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico,

segundo a qual aos fenômenos mentais correspondem fenômenos

orgânicos. Por exemplo, uma estimulação física, como uma picada de

agulha na pele de um indivíduo, teria uma correspondência na mente

deste indivíduo. Para explorar a mente ou consciência do indivíduo,

Wundt cria um método que denomina introspeccionismo. Nesse

método, o experimentador pergunta ao sujeito, especialmente treinado

para a auto-observação, os caminhos percorridos no seu interior por uma

estimulação sensorial (a picada da agulha, por exemplo).

A PSICOLOGIA CIENTÍFICA

O berço da Psicologia moderna foi a Alemanha do final do século

19. Wundt, Weber e Fechner trabalharam juntos na Universidade de

Leipzig. Seguiram para aquele país muitos estudiosos dessa nova

ciência, como o inglês Edward B. Titchner e o americano William James.

Seu status de ciência é obtido à medida que se “liberta” da

Filosofia, que marcou sua história até aqui, e atrai novos estudiosos e

pesquisadores, que, sob os novos padrões de produção de

conhecimento, passam a: [pg. 40]

• definir seu objeto de estudo (o comportamento, a vida psíquica, a

consciência);

• delimitar seu campo de estudo, diferenciando-o de outras áreas de

conhecimento, como a Filosofia e a Fisiologia;

• formular métodos de estudo desse objeto;

• formular teorias enquanto um corpo consistente de conhecimentos na

área.

Essas teorias devem obedecer aos critérios básicos da

metodologia científica, isto é, deve-se buscar a neutralidade do

conhecimento científico, os dados devem ser passíveis de comprovação,

e o conhecimento deve ser cumulativo e servir de ponto de partida para

outros experimentos e pesquisas na área.

Os pioneiros da Psicologia procuraram, dentro das possibilidades,

atingir tais critérios e formular teorias. Entretanto os conhecimentos

produzidos inicialmente caracterizaram-se, muito mais, como postura

metodológica que norteava a pesquisa e a construção teórica.

Embora a Psicologia científica tenha nascido na Alemanha, é nos

Estados Unidos que ela encontra campo para um rápido crescimento,

resultado do grande avanço econômico que colocou os Estados Unidos

na vanguarda do sistema capitalista. É ali que surgem as primeiras

abordagens ou escolas em Psicologia, as quais deram origem às

inúmeras teorias que existem atualmente.

Essas abordagens são: o Funcionalismo, de William James

(1842-1910), o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927) e o

Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949).

O FUNCIONALISMO

O Funcionalismo é considerado como a primeira sistematização

genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma

sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento

econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo espírito.

Desse modo, para a escola funcionalista de W. James, importa

responder “o que fazem os homens” e “por que o fazem”. Para responder

a isto, W. James elege a consciência como o centro de suas

preocupações e busca a compreensão de seu funcionamento, na medida

em que o homem a usa para adaptar-se ao meio. [pg. 41]

O ESTRUTURALISMO

O Estruturalismo está preocupado com a compreensão do

mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. Mas,

diferentemente de W. James, Titchner irá estudá-la em seus aspectos

estruturais, isto é, os estados elementares da consciência como

estruturas do sistema nervoso central. Esta escola foi inaugurada por

Wundt, mas foi Titchner, seguidor de Wundt, quem usou o termo

estruturalismo pela primeira vez, no sentido de diferenciá-la do

Funcionalismo. O método de observação de Titchner, assim como o de

Wundt, é o introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos

produzidos são eminentemente experimentais, isto é, produzidos a partir

do laboratório.

O ASSOCIACIONISMO

O principal representante do Associacionismo é Edward L.

Thorndike, e sua importância está em ter sido o formulador de uma

primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de

conhecimentos pautava-se por uma visão de utilidade deste

conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que

perpassam a Psicologia.

O termo associacionismo origina-se da concepção de que a

aprendizagem se dá por um processo de associação das idéias — das

mais simples às mais complexas. Assim, para aprender um conteúdo

complexo, a pessoa precisaria primeiro aprender as idéias mais simples,

que estariam associadas àquele conteúdo.

Thorndike formulou a Lei do Efeito, que seria de grande utilidade

para a Psicologia Comportamentalista. De acordo com essa lei, todo

comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um rato

etc.) tende a se repetir, se nós recompensarmos (efeito) o organismo

assim que este emitir o comportamento. Por outro lado, o comportamento

tenderá a não acontecer, se o organismo for castigado (efeito) após sua

ocorrência. E, pela Lei do Efeito, o organismo irá associar essas

situações com outras semelhantes. Por exemplo, se, ao apertarmos um

dos botões do rádio, formos “premiados” com música, em outras

oportunidades apertaremos o mesmo botão, bem como generalizaremos

essa aprendizagem para outros aparelhos, como toca-discos, gravadores

etc. [pg. 42]

AS PRINCIPAIS TEORIAS

DA PSICOLOGIA NO SÉCULO 20

A Psicologia enquanto um ramo da Filosofia estudava a alma. A

Psicologia científica nasce quando, de acordo com os padrões de ciência

do século 19, Wundt preconiza a Psicologia “sem alma”. O conhecimento

tido como científico passa então a ser aquele produzido em laboratórios,

com o uso de instrumentos de observação e medição. Se antes a

Psicologia estava subordinada à Filosofia, a partir daquele século ela

passa a ligar-se a especialidades da Medicina, que assumira, antes da

Psicologia, o método de investigação das ciências naturais como critério

rigoroso de construção do conhecimento.

Essa Psicologia científica, que se constituiu de três escolas —

Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo —, foi substituída, no

século 20, por novas teorias.

As três mais importantes tendências teóricas da Psicologia neste

século são consideradas por inúmeros autores como sendo o

Behaviorismo ou Teoria (S-R) (do inglês Stimuli-Respond — Estímulo-

Resposta), a Gestalt e a Psicanálise.

O Behaviorismo, que nasce com Watson e tem um desenvolvimento

grande nos Estados Unidos, em função de suas aplicações práticas,

tornou-se importante por ter definido o fato psicológico, de modo

concreto, a partir da noção de comportamento (behavior).

• A Gestalt, que tem seu berço na Europa, surge como uma negação da

fragmentação das ações e processos humanos, realizada pelas

tendências da Psicologia científica do século 19, postulando a

necessidade de se compreender o homem como uma totalidade. A

Gestalt é a tendência teórica mais ligada à Filosofia.

• A Psicanálise, que nasce com Freud, na Áustria, a partir da prática

médica, recupera para a Psicologia a importância da afetividade e

postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição da

Psicologia como ciência da consciência e da razão.

Nos próximos três capítulos, desenvolveremos cada uma dessas

principais tendências teóricas, a partir da apresentação de alguns de

seus conceitos básicos. Em um quarto capítulo, apresentaremos a

Psicologia Sócio-Histórica como uma das vertentes teóricas em

construção na Psicologia atual. [pg. 43]

Questões

1. Qual a importância de se conhecer a história da Psicologia?

2. Quais as condições econômicas e sociais da Grécia Antiga que

propiciaram o início da reflexão sobre o homem?

3. Quais as contribuições fundamentais para a Psicologia apontadas nos

textos de Sócrates, Platão e Aristóteles?

4. Com a hegemonia da Igreja, na Idade Média, qual a contribuição de

Santo Agostinho e São Tomás de Aquino para o conhecimento em

Psicologia?

5. Em qual período histórico situa-se a contribuição de Descartes para a

Psicologia? Qual é essa contribuição?

6. Quais as contribuições da Fisiologia e da Neurofisiologia para a

Psicologia?

7. Qual o papel de Wundt na história da Psicologia?

8. Quais os critérios que a Psicologia deveria satisfazer para adquirir o

status de ciência?

9. O que caracteriza o Funcionalismo, o Associacionismo e o

Estruturalismo?

10. Quais as principais teorias em Psicologia, no século 20?

Atividades em grupo

1. Quais as diferenças entre a Psicologia como um ramo da Filosofia e a

Psicologia científica?

2. Como a produção do conhecimento está relacionada com as

condições materiais do momento histórico em que ela se dá?

Exemplifique.

3. Construam uma linha do tempo e registrem nela os principais marcos

da história da humanidade e os principais momentos da construção da

Psicologia.

Bibliografia indicada

A história da Psicologia é um tema que não apresenta obras

adequadas aos alunos de grau. Mesmo os livros introdutórios, como

os de Fred S. Keller, A definição da Psicologia (São Paulo, Herder,

1972), e de Anatol Rosenfeld, O pensamento psicológico (São Paulo,

Perspectiva, 1984), destinam-se a leitores que tenham um mínimo de

familiaridade com as questões da Psicologia. O primeiro trata da

Psicologia a partir de sua fase científica, até o Behaviorismo e a Gestalt,

excluindo a Psicanálise. O segundo é mais denso e percorre os

caminhos da Psicologia desde os filósofos pré-socráticos até a fase

científica.

Uma bibliografia mais avançada é composta pelos livros de

Antônio Gomes Penna, Introdução à história da Psicologia

contemporânea (Rio de Janeiro, Zahar, 1980), e de Fernand Lucien

Mueller, História da Psicologia (São Paulo, Nacional, 1978). [pg. 44]

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