CAPÍTULO 9
A Psicologia social
O ENCONTRO SOCIAL
Psicologia social é a área da Psicologia que procura estudar a
interação social. E assim que Aroldo Rodrigues, psicólogo brasileiro,
define essa área. Diz ele que a Psicologia social é o estudo das
“manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma
pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação”1.
A interação social, a interdependência entre os indivíduos, o
encontro social são os objetos investigados por essa área da Psicologia.
Assim, vamos falar dos principais conceitos da Psicologia social a partir
do ponto de vista do encontro social.
Dessa perspectiva, os principais conceitos são: a percepção social;
a comunicação; as atitudes; a mudança de atitudes; o processo de
socialização; os grupos sociais e os papéis sociais.
PERCEPÇÃO SOCIAL
Nós, autores deste livro, encontramo-nos com você. Essa é nossa
suposição e nosso ponto de partida. O primeiro processo desencadeado
é o da percepção social. Percebemo-nos um ao outro. E percebemos
1 Aroldo Rodrigues, Psicologia social, p. 3.
não só a presença do outro, mas o conjunto de características que
apresenta, o que nos possibilita “ter uma impressão” dele. [pg. 135]
Essa impressão é possível porque,
a partir de nossos contatos com o mundo,
vamos organizando estas informações em
nossa cognição (organização do
conhecimento no nível da consciência), e
é esta organização que nos permitirá
compreender ou categorizar um novo fato.
Assim, se você estiver vestido de calça
jeans, camiseta, tênis e com cadernos e
livros nas mãos, a sua aparência nos
permitirá percebê-lo como um estudante.
E nós, com o dobro de sua idade e um
estilo semelhante de vestir, seremos
categorizados como professores.
A percepção é, pois, um processo
que vai desde a recepção do estímulo pelos órgãos dos sentidos até a
atribuição de significado ao estímulo.
COMUNICAÇÃO
Quando percebemos (condição para o encontro), podemos dizer
envolve codificação (formação de um sistema de códigos) e
decodificação (a forma de procurar entender a codificação) de
mensagens. Essas mensagens permitem a troca de informações entre os
indivíduos.
— Muito prazer, dizemos nós a você. Esta é a mensagem que lhe
enviamos. Para isso utilizamos o código que é comum entre nós. Você
recebe esta mensagem, decodifica-a e então tem condições de nos
responder: — Eu também tenho prazer em conhecê-los (nova
mensagem, no mesmo código, e que, por sua vez, será decodificada por
nós).
A percepção do outro é uma forma de
comunicação que depende da
atribuição de significado à situação
vivida.
A comunicação não é constituída apenas de código verbal.
Também utilizamos para a comunicação expressões de rosto, gestos,
movimentos, desenhos e sinais.
A partir deste esquema básico da comunicação: transmissor
(aquele que codifica), mensagem (transmitida utilizando um código),
receptor (aquele que decodifica), a Psicologia social estudou o processo
de interdependência e de influência entre as pessoas que se comunicam,
respondendo a questões do tipo: como se dá a influência, quais as
características da mensagem, como aumentar nosso poder de persuasão
através da comunicação e quais os processos psicológicos envolvidos na
comunicação? [pg. 136]
ATITUDES
A partir da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo vai
organizando estas informações, relacionando-as com afetos (positivos ou
negativos) e desenvolvendo uma predisposição para agir (favorável ou
desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos objetos presentes no
meio social. A essas informações com forte carga afetiva, que
predispõem o indivíduo para uma determinada ação (comportamento),
damos o nome de atitudes.
Portanto, para a Psicologia social, diferentemente do senso
comum, nós não tomamos atitudes (comportamento, ação), nós
desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos
objetos do meio social.
As atitudes possibilitam-nos uma certa regularidade na relação
com o meio. Temos atitudes positivas em relação a determinados objetos
ou pessoas, o que nos predispõe a uma ação favorável em relação a
eles. Isto porque os componentes da atitude — informações, afeto e
predisposição para a ação — tendem a ser congruentes.
Assim, se você se apresenta como estudante e traz em suas mãos
este livro escrito por nós, a possibilidade de desenvolvermos uma atitude
positiva em relação a você é muito grande, pois já temos anteriormente
informações e afetos positivos em relação a estudantes, principalmente
aos que estão lendo nosso livro. Dessa forma, é de se esperar que nosso
comportamento em relação a você seja “favorável”: iremos cumprimentálo,
convidá-lo para tomar um café na cantina etc.
As atitudes são, assim, bons preditores de comportamentos.
No entanto, não é com tanta facilidade que conseguimos prever o
comportamento de alguém a partir do conhecimento de sua atitude, pois
nosso comportamento é resultante também da situação dada e de várias
atitudes mobilizadas em determinada situação. Então, por exemplo, se
estamos atrasados para um compromisso no momento em que
encontramos você, é possível que nossa previsão de comportamento
favorável não se concretize, pois a situação dada apresenta outros
elementos que modificam o comportamento esperado.
MUDANÇA DE ATITUDES
Nossas atitudes podem ser modificadas a partir de novas
informações, novos afetos ou novos comportamentos ou situações.
Assim, podemos mudar nossa atitude em relação a um
determinado objeto porque descobrimos que ele faz bem à saúde ou nos
[pg. 137]
ajuda de alguma forma. Por exemplo, se você desenvolveu
uma atitude negativa em relação ao nosso livro porque não gostou da
capa, esperamos que após sua leitura você possa modificá-la pela
constatação de que ele o ajuda, de alguma forma, a compreender melhor
o mundo.
Podemos ainda mudar uma atitude quando somos obrigados a nos
comportar em desacordo com ela. Exemplo: você não gosta dos rapazes
que moram no seu prédio (atitude negativa), mas será obrigado a
conviver com eles, porque passaram a estudar na mesma classe. Para
evitar uma tensão constante, que o levaria a um conflito, você tentará
descobrir aspectos positivos neles (como o fato de serem bons alunos ou
muito requisitados pelas garotas), que permitam uma aproximação e a
mudança de atitude (atitude positiva).
Existe uma forte tendência a manter os componentes das atitudes
levarão a afeto positivo. Informação positiva e afeto positivo levam a um
comportamento favorável na direção do objeto.
PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
Nesse nosso encontro, vimos que nossas atitudes são importantes,
pois, em certo sentido, são elas que norteiam nosso comportamento.
Ainda há a influência dos motivos, interesses e necessidades com que
nos apresentamos na situação. Este conjunto de aspectos psicológicos
permite-nos compreender, atribuir significado e responder ao outro.
E você deve estar então se perguntando: “De onde vem este
conjunto de aspectos tão importantes?”.
A formação do conjunto de nossas crenças, valores e significações
dá-se no processo que a Psicologia social denominou socialização.
Nesse processo, o indivíduo torna-se membro de um determinado
conjunto social, aprendendo seus códigos, suas normas e regras básicas
de relacionamento, apropriando-se do conjunto de conhecimentos já
sistematizados e acumulados por esse conjunto.
GRUPOS SOCIAIS
Claro que existem as
organizações ou elementos
que servem de intermediários
entre o conjunto social mais
amplo e o indivíduo. Essa
intermediação é feita pelos
grupos sociais. [pg. 138]
Assim, quando se dá
esse nosso encontro,
poderíamos dizer que estão-se encontrando representantes de diferentes
grupos sociais: você, representando sua família, seus grupos de amigos,
seu grupo racial, seu grupo religioso etc. e, de outro lado, nós,
representando nossos grupos de pertencimento ou de referência, que
são aqueles a que pertencemos ou em que nos referenciamos para
saber como nos comportar, o que dizer, como perceber o outro, do que
gostar ou não gostar.
Os grupos sociais são pequenas organizações de indivíduos que,
possuindo objetivos comuns, desenvolvem ações na direção desses
objetivos. Para garantir essa organização, possuem normas; formas de
pressionar seus integrantes para que se conformem às normas; um
funcionamento determinado, com tarefas e funções distribuídas entre
seus membros; formas de cooperação e de competição; apresentam
aspectos que atraem os indivíduos, impedindo que abandonem o grupo.
A Psicologia social dedicou grande parte de seus estudos à
compreensão desses processos grupais, como veremos no capítulo 15.
PAPÉIS SOCIAIS
E para terminarmos esse nosso encontro social precisamos falar
um pouco ainda dos papéis sociais.
Entendida a sociedade como um conjunto de posições sociais
(como a posição de médico, de professor, de aluno, de filho, de pai),
todas as expectativas de comportamento estabelecidas pelo conjunto
social para os ocupantes das diferentes posições sociais determinam o
chamado papel prescrito. Assim, sabemos o que esperar de alguém
que ocupa uma determinada posição.
Portanto, no nosso encontro, ao sabermos que você é um
estudante, saberemos também alguns comportamentos que deveremos
esperar de você, e, por sua vez, você saberá o que esperar de nós,
professores.
Todos os comportamentos que manifestamos no nosso encontro
são chamados, na Psicologia social, de papel desempenhado. Tais
comportamentos, por sua vez, podem ou não estar de acordo com a
prescrição social, isto é, as normas prescritas socialmente para o
desempenho de um determinado papel. [pg. 139]
Os papéis sociais permitem-nos compreender a situação social,
pois são referências para a nossa percepção do outro, ao mesmo tempo
que são referências para o nosso próprio comportamento. Se no
encontro social nos apresentamos como ocupantes da posição de
professores ou autores de um livro, sabemos como nos comportar,
porque aprendemos, no decorrer de nossa socialização, o que está
prescrito para os ocupantes dessas posições. Se formos convidados a
proferir uma palestra na sua escola, não iremos vestidos como se
estivéssemos indo para o clube.
E aqui vale a pena ressaltar que, quando aprendemos um papel
social, aprendemos também o papel complementar, isto é, quando
aprendemos a nos comportar como alunos, desde o início de nossa vida
escolar, estamos também aprendendo o papel do outro com quem
interagimos — o papel do professor.
Os diferentes papéis sociais e a nossa enorme plasticidade como
seres humanos permitem que nos adaptemos às diferentes situações
sociais e que sejamos capazes de nos comportar diferentemente em
cada uma delas. Aprender os nossos papéis sociais é, na realidade,
aprender o conjunto de rituais que nossa sociedade criou.
Para finalizar, gostaríamos de deixar registrado que cada encontro
social, cada momento de comunicação e interação entre as pessoas são
sempre momentos de nosso processo de socialização, que é ininterrupto
no decorrer de nossas vidas.
E assim nos despedimos: — Foi um prazer conhecê-lo e
esperamos nos encontrar novamente. Obrigado pela atenção.
CRÍTICAS À PSICOLOGIA SOCIAL
Aqui um novo encontro se inicia, pois temos algumas coisas a
dizer sobre o nosso encontro passado.
A teoria da Psicologia social, que orientou o nosso encontro
anterior, tem recebido, hoje em dia, inúmeras críticas. Apontamos agora
as principais:
a. É uma Psicologia social baseada em um método descritivo, ou seja,
um método que se propõe a descrever aquilo que é observável, fatual.
É uma psicologia que organiza e dá nome aos processos observáveis
dos encontros sociais.
b. É uma Psicologia social que tem seu desenvolvimento comprometido
com os objetivos da sociedade norte-americana do pós-guerra, que
precisava de conhecimentos e de instrumentos que possibilitassem a
intervenção na realidade, de forma a obter resultados [pg. 140]
imediatos, com a intenção de recuperar uma nação, garantindo o
aumento da produtividade econômica. Não é para menos que os
temas mais desenvolvidos foram a comunicação persuasiva, a
mudança de atitudes, a dinâmica grupal etc., voltados sempre para a
procura de “fórmulas de ajustamento e adequação de
comportamentos individuais ao contexto social”2.
c. É uma Psicologia social que parte de uma noção estreita do social,
Este é considerado apenas como a relação entre pessoas — a
interação social —, e não como um conjunto de produções humanas
capazes de, ao mesmo tempo em que vão construindo a realidade
social, construir também o indivíduo. Esta concepção será a referência
para a construção de uma nova Psicologia social.
UMA NOVA PSICOLOGIA SOCIAL
Com uma posição mais crítica em relação à realidade social e à
contribuição da ciência para a transformação da sociedade, vem sendo
desenvolvida uma nova Psicologia social, buscando a superação das
limitações apontadas anteriormente.
2 S. T. M. Lane. O que é Psicologia social, p. 76.
A Psicologia social mantém-se aqui como uma área de
conhecimento da Psicologia, que procura aprofundar o conhecimento da
natureza social do fenômeno psíquico.
O que quer dizer isso?
A subjetividade humana
surge do contato entre os homens
e dos homens com a
Natureza, isto é, esse mundo
interno que possuímos e suas
expressões são construídas
nas relações sociais.
Assim, a Psicologia
social como área de
conhecimento, passa a
estudar o psiquismo humano,
objeto da Psicologia, buscando compreender como se dá a construção
desse mundo interno a partir das relações sociais vividas pelo homem. O
mundo objetivo passa a ser visto não como fator de influência para o
desenvolvimento da subjetividade, mas como fator constitutivo. [pg. 141]
Numa concepção como essa, o comportamento deixa de ser “o
objeto de estudo”, para ser uma das expressões do mundo psíquico e
fonte importante de dados para a compreensão da subjetividade, pois ele
se encontra no nível do empírico e pode ser observado; no entanto, essa
nova Psicologia social pretende ir além do que é observável, ou seja,
além do comportamento, buscando compreender o mundo invisível do
homem.
Além disso, essa Psicologia social abandona por completo a
diferença entre comportamento em situação de interação ou nãointeração.
O homem é um ser social por natureza. Entende-se aqui que
cada indivíduo aprende a ser um homem nas relações com os outros
homens, quando se apropria da realidade criada pelas gerações
anteriores, apropriação que se dá pelo manuseio dos instrumentos e pelo
A Psicologia social, hoje, busca romper com uma
ciência que contribuiu apenas para a manipulação e
massificação da sociedade.
aprendizado da cultura humana.
O homem como um ser social, como um ser de relações sociais,
está em permanente movimento. Estamos sempre nos transformando,
apesar de aparentemente nos mantermos iguais. Isso porque nosso
mundo interno se alimenta dos conteúdos que vêm do mundo externo e,
como nossa relação com esse mundo externo não cessa, estamos
sempre como que fazendo a “digestão” desses alimentos e, portanto,
sempre em movimento, em processo de transformação.
Ora, se estamos em permanente movimento, não podemos ter um
conjunto teórico onde os conceitos paralisam nosso objeto de estudo. Se
nos limitarmos a falar das atitudes, da percepção, dos papéis sociais e
acreditarmos que com isso compreendemos o homem, não estaremos
percebendo que, ao desempenhar esse papel, ao perceber o outro e ao
desenvolver ou falar sobre sua atitude, o homem estará em movimento.
Por isso, nossa metodologia e nosso corpo teórico devem ser capazes
de captar esse homem em movimento.
E, superando esse conceitual da antiga Psicologia social, a nova
irá propor, como conceitos básicos de análise, a atividade, a consciência
e a identidade, que são as propriedades ou características essenciais do
homem e expressam o movimento humano. Esses conceitos e
concepções foram e vêm sendo desenvolvidos por vários autores.
Citamos, entre eles: Vigotski, Alexis Leontiev e Luria, autores soviéticos
que produziram até a década de 60; Silvia Lane e Antônio Ciampa, que
são brasileiros e trabalham ativamente na PUC-SP.
ATIVIDADE
É a unidade básica fundamental da vida do sujeito material. É
através da atividade que o homem se apropria do mundo, ou seja, é a
atividade que propicia a transição daquilo que está fora do homem [pg.142]
para dentro dele. Pense na criança, onde isso tudo fica mais
evidente. Ela se apropria do mundo engatinhando, andando ou
percorrendo com os olhos o mundo circundante. Ela manuseia os
objetos, desmonta-os
(infelizmente, nós compreendemos
isso, às vezes, como destruição),
monta-os, balança, lambe, ouve,
vê, enfim, do ponto de vista da
Psicologia social, coloca-os para
dentro de si, transforma-os em
imagens e em idéias que passam a
habitar seu mundo interno.
A prática humana, ou, como
estamos chamando aqui, a
atividade humana, é a base do
conhecimento e do pensamento do
homem. Estamos considerando que os indivíduos apresentam uma
necessidade de manter uma relação ativa com o mundo externo. Para
existirmos, precisamos atuar sobre o mundo, transformando-o de acordo
com nossas necessidades. Ao fazer isso, estamos construindo a nós
mesmos.
Esperamos que você tenha notado que o homem constrói o seu
mundo interno na medida em que atua e transforma o mundo externo.
Mundos externo e interno são, portanto, imbricados, pois são construídos
num mesmo processo, e a existência de um depende da do outro.
Atuar no mundo é uma propriedade do homem, isto é, a atividade é
uma das suas determinações.
CONSCIÊNCIA
A consciência humana expressa a forma como o homem se
relaciona com o mundo objetivo. As aranhas constroem suas teias e
reagem à vibração nelas produzida por insetos que ali ficam presos.
Essa é a forma como as aranhas reagem ao mundo externo. As abelhas,
os pássaros, os peixes e todos os animais apresentam uma maneira
Para existirmos, precisamos atuar sobre o
mundo, transformando-o de acordo com as
nossas necessidades.
específica de relação com o mundo. O homem também apresenta o seu
modo de reagir ao mundo objetivo: ele o compreende, isto é, transformao
em idéias e imagens e estabelece relações entre essas informações,
de modo a compreender o que se produz na realidade ambiente. A
consciência é, assim, um certo saber. Nós reagimos ao mundo
compreendendo-o, “sabendo-o”. [pg. 143]
A consciência não se limita apenas ao saber lógico. Ela inclui o
saber das emoções e sentimentos do homem, o saber dos desejos, o
saber do inconsciente.
Como maneira de reagir ao mundo, a consciência está em
permanente movimento.
E como será que ela surge?
A consciência não é manifestação de alguma capacidade mística
no cérebro humano. A consciência do homem é produto das relações
sociais que os homens estabelecem. Sem dúvida, foi necessário um
aperfeiçoamento do cérebro humano para que se tornasse capaz de
pensar o mundo através de imagens, símbolos e de estabelecer relações
entre os objetos desse mundo, tornando-se mesmo capaz de antecipar a
realidade. Mas acredita-se que somente o aperfeiçoamento do cérebro
não seria suficiente para propiciar o surgimento da consciência humana,
ou melhor, que esse aperfeiçoamento não teria lugar, se não houvesse
condições externas ao homem que o estimulassem.
Essas condições externas estão hoje pensadas como o trabalho, a
vida social e a linguagem.
A consciência, como produto subjetivo, como apropriação pelo
homem do mundo objetivo, produz-se em um processo ativo, que tem
como base a atividade sobre o mundo, a linguagem e as relações
sociais.
O homem encontra um mundo de objetos e significados já
construídos pelos outros homens. Nas relações sociais, ele se apropria
desse mundo cultural e desenvolve o “sentido pessoal”. Produz, assim,
uma compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros,
compreensão construída no processo de produção da existência,
compreensão que tem sua matéria-prima na realidade objetiva e na
realidade social, mas que é própria do indivíduo, pois é resultado de um
trabalho seu.
E você agora deve estar perguntando: e como eu posso estudar a
consciência dos indivíduos, se ela é invisível, dado que é mundo interno
e não tem uma forma corpórea, física?
Estuda-se a consciência através de suas mediações. No mundo
observável, vamos encontrar, por exemplo, as representações sociais,
veiculadas pela linguagem, que são expressões da consciência. Quando
alguém discursa ou simplesmente fala sobre algum assunto, está se
referindo ao mundo real e expressa sua consciência através das
representações sociais. A representação social é a denominação dada
ao conjunto de idéias que articula os significados sociais, isto é, o sentido
construído coletivamente para o objeto, [pg. 144]
com o sentido pessoal.
Envolve crenças, valores e imagens que os indivíduos constroem, no
decorrer de suas vidas, a partir da vivência na sociedade.
IDENTIDADE
Outro conceito importante nessa nova Psicologia social é o de
identidade (veja capítulo 14).
Se a consciência está em movimento, se o homem,
conseqüentemente, está em movimento, a consciência que desenvolve
sobre o “eu mesmo” não poderia estar parada. Ela também está em
movimento.
O indivíduo, nessa concepção, é um eterno transformar-se, mesmo
que aparentemente continue com os mesmos olhos, cabelos e até
consiga manter seu peso. Isso é só aparência. Estamos nos
transformando a cada momento, a cada nova relação com o mundo
social e sabemos disso. A consciência que desenvolvemos sobre “quem
sou eu” acompanha esse movimento do real, às vezes com mais
facilidade, às vezes com menos, mas acompanha.
Identidade é a denominação dada às representações e
sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si próprio, a partir
do conjunto de suas vivências. A identidade é a síntese pessoal sobre o
si-mesmo, incluindo dados pessoais (cor, sexo, idade), biografia
(trajetória pessoal), atributos que os outros lhe conferem, permitindo uma
representação a respeito de si.
Este conceito supera a compreensão do homem enquanto
conjunto de papéis, de valores, de habilidades, de atitudes etc., pois
compreende todos estes aspectos integrados — o homem como
totalidade — e busca captar a singularidade do indivíduo, produzida no
confronto com o outro.
A mudança nas
situações sociais, a mudança
na história de vida e nas
relações sociais determinam
um processar contínuo na
definição de si mesmo.
Neste sentido, a
identidade do indivíduo deixa
de ser algo estático e
acabado, para ser um
processo contínuo de
representações de seu “estar sendo” no mundo. [pg. 145]
UMA ÚLTIMA QUESTÃO
Que diferença há entre essa nova Psicologia social e aquela do
início do capítulo?
Há muitas diferenças. A do início do capítulo é uma Psicologia
descritiva. Procura organizar e dar nome aos processos observáveis que
ocorrem nas interações sociais. A nova proposta busca ser explicativa ou
compreensiva. Deseja-se explicar/compreender a relação que o indivíduo
mantém com a sociedade e os processos subjetivos que vão ocorrendo
O conflito social expressa tanto as condições objetivas
quanto a subjetividade de seus atores.
nessa relação.
Outro aspecto bastante significativo, que merece destaque nessa
diferenciação, é a maneira de conceber o homem. A Psicologia social
tradicional pensa o homem como um ser que reage às estimulações
externas, atribui-lhes significado e se comporta. O homem é um ser no
espaço social. A nova Psicologia social o concebe como um ser de
natureza social. O homem é um ser social, que constrói a si próprio, ao
mesmo tempo que constrói, com os outros homens, a sociedade e sua
história. A nova Psicologia social desvincula-se da tradição norteamericana
de ciência pragmática, com intenções de prever o
comportamento e manipulá-lo, optando por uma ciência que, ao melhorar
a compreensão que se tem da realidade social e humana, permita ao
homem transformá-la. Assim, é um conhecimento que se busca produzir
para ser divulgado, distribuído, discutido por um número maior de
pessoas, extrapolando os muros das universidades. Esses aspectos são
muito importantes, porque abrem a possibilidade para uma ciência
comprometida com a transformação, abandonando de vez os modelos de
ciência que servem para justificar a desumanidade existente em nossa
sociedade, por considerar naturais todas as desigualdades e formas de
exploração.
Essa nova Psicologia social permite que se compreenda o que
acontece conosco na sociedade brasileira, pois ela parte desta realidade
para compreender os elementos do mundo interno que estão sendo
construídos: como estamos representando a juventude ou a infância?
como estamos representando a nossa sexualidade? nosso trabalho?
quem somos nós, os brasileiros? Para responder a questões como
essas, a Psicologia social vai recorrer aos conceitos de atividade,
consciência e identidade, promovendo um estudo sobre o fazer, o pensar
e o agir dos homens em nossa sociedade, e será a articulação entre
esses elementos que permitirá a resposta à questão. [pg. 146]
Texto Complementar
1. TODA A PSICOLOGIA É SOCIAL
Esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da
Psicologia à Psicologia social, mas sim cada uma assumir dentro da sua
especificidade a natureza histórico-social do ser humano. Desde o
desenvolvimento infantil até as patologias e as técnicas de intervenção,
características do psicólogo, devem ser analisadas criticamente à luz
desta concepção do ser humano — é a clareza de que não se pode
conhecer qualquer comportamento humano isolando-o ou fragmentandoo,
como se este existisse em si e por si.
Também com esta afirmativa não negamos a especificidade da
Psicologia social — ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo
no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo que lhe é específico
como naquilo em que ele é manifestação grupal e social. Porém, agora a
Psicologia social poderá responder à questão de como o homem é
sujeito da História e transformador de sua própria vida e da sua
sociedade, assim como qualquer outra área da Psicologia.
Silvia T. M. Lane. A Psicologia social e uma nova concepção do homem
para a Psicologia. In: Silvia T. M. Lane e Wanderley Codo (org.). Psicologia social:
o homem
2. COMIDA
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.
Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer & Sérgio Britto.
Comida. In: Titãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas.
LP. São Paulo, BMG Ariola, 670.4033. [pg. 147]
Questões
1. Como Aroldo Rodrigues define a Psicologia social?
2. O que é percepção social? E comunicação?
3. O conhecimento da atitude garante uma previsão do comportamento?
Explique.
4. O que é processo de socialização?
5. O que significa aprender papéis sociais?
6. Quais as principais críticas que são feitas hoje à Psicologia social?
7. Quais os conceitos que estão sendo desenvolvidos numa nova
Psicologia social?
8. Para a nova Psicologia social, o homem é um ser social que está em
permanente movimento. Como você compreende essa concepção?
Atividades em grupo
a. Quais as expectativas sociais (papel prescrito) para os jovens, em
nossa sociedade, e qual a identidade que os Titãs apresentam para
a juventude?
b. Considerem agora as atividades dos jovens em nossa sociedade e
as representações ou imagens que vigoram hoje, para fazer uma
análise da identidade do seu grupo de jovens.
2. Caracterizem e discutam a cooperação e a competição presentes nas
relações sociais na sua sala de aula. Qual a expectativa do grupo
sobre o desempenho do professor diante dessa situação?
Bibliografia indicada
Para o aluno
Um livro acessível é o de Silvia T. M. Lane, O que é Psicologia
social, da coleção Primeiros Passos (São Paulo, Brasiliense, 1986).
Para o professor
Existem vários livros de fácil acesso para o desenvolvimento e
aprofundamento dos diversos conceitos da Psicologia social
apresentados neste capítulo. O tradicional manual Psicologia social
(Petrópolis, Vozes, 1972), de Aroldo Rodrigues, apresenta os conceitos
de tal forma, que nos permite estudá-los separadamente. Outro livro mais
atual e que também traz os diversos conceitos é o de Helmuth Krüger,
Introdução à Psicologia social, da coleção Temas Básicos de
Psicologia (São Paulo, EPU, 1986). Este livro aborda a Psicologia social
do ponto de vista da teoria cognitivista. Nesta mesma abordagem, existe
ainda o tradicional manual de Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria,
de Cartwright e Zander (São Paulo, EPU/USP, 1975), que aborda todos
os aspectos de grupo estudados pela Psicologia social. [pg. 148]
O livro Psicologia social, de Freedman, Carlsmith e Sears (São
Paulo, Cultrix, 1970), permite um aprofundamento dos conceitos de
atitude, mudança de atitude e percepção.
Não podemos deixar de indicar uma bibliografia em Psicologia
social que apresente as críticas que se têm feito aos conhecimentos
desenvolvidos nesta área, enfocando a Psicologia social crítica, de forma
embrionária.
Nesta perspectiva, uma das obras é Psicologia social: o homem
em movimento, organizada por Silvia T. M. Lane e Wanderley Codo
(São Paulo, Brasiliense, 1984), com a contribuição de vários autores. A
obra traz, na introdução, uma nova concepção de homem e, nos textos
da parte 2, os conceitos indicados por nós: representação social,
identidade e consciência social.
Recentemente, a vertente crítica da Psicologia social ganhou
novos e importantes títulos, como é o caso de Novas veredas da
Psicologia social, trabalho organizado por Silvia T. M. Lane e Bader B.
Sowaia (São Paulo, Brasiliense, 1995); Psicologia social
contemporânea, de Marlene N. Strey et alii (Rio de Janeiro, Vozes,
1998); Psicologia social comunitária, de Regina Helena de F. Campos
(org.) (Rio de Janeiro, Vozes, 1996); O conhecimento do cotidiano: as
representações sociais na perspectiva da Psicologia social, de
Maryjane Spink (org.) (São Paulo, Brasiliense, 1993) e Estudos sobre
comportamento político: teoria e pesquisa, de Leôncio Camino,
Louise Lhulher, Salvador Sandoval (org.) (Florianópolis, Letras
Contemporâneas, 1997).
Filmes indicados
O pescador de ilusões. Diretor Terry Gilliam (EUA, 1991) – Um
radialista bem-sucedido, sem compromissos éticos, vive uma crise de
consciência e encontra em seu caminho um mendigo que muda sua
trajetória de vida.
Este filme mostra como os valores e atitudes mudam o
comportamento das pessoas. Pode ser analisado, com sucesso, em
ambas as abordagens da Psicologia social. [pg. 149]
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