terça-feira, 25 de novembro de 2008

capitulo 9

CAPÍTULO 9

A Psicologia social

O ENCONTRO SOCIAL

Psicologia social é a área da Psicologia que procura estudar a

interação social. E assim que Aroldo Rodrigues, psicólogo brasileiro,

define essa área. Diz ele que a Psicologia social é o estudo das

“manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma

pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação”1.

A interação social, a interdependência entre os indivíduos, o

encontro social são os objetos investigados por essa área da Psicologia.

Assim, vamos falar dos principais conceitos da Psicologia social a partir

do ponto de vista do encontro social.

Dessa perspectiva, os principais conceitos são: a percepção social;

a comunicação; as atitudes; a mudança de atitudes; o processo de

socialização; os grupos sociais e os papéis sociais.

PERCEPÇÃO SOCIAL

Nós, autores deste livro, encontramo-nos com você. Essa é nossa

suposição e nosso ponto de partida. O primeiro processo desencadeado

é o da percepção social. Percebemo-nos um ao outro. E percebemos

1 Aroldo Rodrigues, Psicologia social, p. 3.

não só a presença do outro, mas o conjunto de características que

apresenta, o que nos possibilita “ter uma impressão” dele. [pg. 135]

Essa impressão é possível porque,

a partir de nossos contatos com o mundo,

vamos organizando estas informações em

nossa cognição (organização do

conhecimento no nível da consciência), e

é esta organização que nos permitirá

compreender ou categorizar um novo fato.

Assim, se você estiver vestido de calça

jeans, camiseta, tênis e com cadernos e

livros nas mãos, a sua aparência nos

permitirá percebê-lo como um estudante.

E nós, com o dobro de sua idade e um

estilo semelhante de vestir, seremos

categorizados como professores.

A percepção é, pois, um processo

que vai desde a recepção do estímulo pelos órgãos dos sentidos até a

atribuição de significado ao estímulo.

COMUNICAÇÃO

Quando percebemos (condição para o encontro), podemos dizer

envolve codificação (formação de um sistema de códigos) e

decodificação (a forma de procurar entender a codificação) de

mensagens. Essas mensagens permitem a troca de informações entre os

indivíduos.

— Muito prazer, dizemos nós a você. Esta é a mensagem que lhe

enviamos. Para isso utilizamos o código que é comum entre nós. Você

recebe esta mensagem, decodifica-a e então tem condições de nos

responder: — Eu também tenho prazer em conhecê-los (nova

mensagem, no mesmo código, e que, por sua vez, será decodificada por

nós).

A percepção do outro é uma forma de

comunicação que depende da

atribuição de significado à situação

vivida.

A comunicação não é constituída apenas de código verbal.

Também utilizamos para a comunicação expressões de rosto, gestos,

movimentos, desenhos e sinais.

A partir deste esquema básico da comunicação: transmissor

(aquele que codifica), mensagem (transmitida utilizando um código),

receptor (aquele que decodifica), a Psicologia social estudou o processo

de interdependência e de influência entre as pessoas que se comunicam,

respondendo a questões do tipo: como se dá a influência, quais as

características da mensagem, como aumentar nosso poder de persuasão

através da comunicação e quais os processos psicológicos envolvidos na

comunicação? [pg. 136]

ATITUDES

A partir da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo vai

organizando estas informações, relacionando-as com afetos (positivos ou

negativos) e desenvolvendo uma predisposição para agir (favorável ou

desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos objetos presentes no

meio social. A essas informações com forte carga afetiva, que

predispõem o indivíduo para uma determinada ação (comportamento),

damos o nome de atitudes.

Portanto, para a Psicologia social, diferentemente do senso

comum, nós não tomamos atitudes (comportamento, ação), nós

desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos

objetos do meio social.

As atitudes possibilitam-nos uma certa regularidade na relação

com o meio. Temos atitudes positivas em relação a determinados objetos

ou pessoas, o que nos predispõe a uma ação favorável em relação a

eles. Isto porque os componentes da atitude — informações, afeto e

predisposição para a ação — tendem a ser congruentes.

Assim, se você se apresenta como estudante e traz em suas mãos

este livro escrito por nós, a possibilidade de desenvolvermos uma atitude

positiva em relação a você é muito grande, pois já temos anteriormente

informações e afetos positivos em relação a estudantes, principalmente

aos que estão lendo nosso livro. Dessa forma, é de se esperar que nosso

comportamento em relação a você seja “favorável”: iremos cumprimentálo,

convidá-lo para tomar um café na cantina etc.

As atitudes são, assim, bons preditores de comportamentos.

No entanto, não é com tanta facilidade que conseguimos prever o

comportamento de alguém a partir do conhecimento de sua atitude, pois

nosso comportamento é resultante também da situação dada e de várias

atitudes mobilizadas em determinada situação. Então, por exemplo, se

estamos atrasados para um compromisso no momento em que

encontramos você, é possível que nossa previsão de comportamento

favorável não se concretize, pois a situação dada apresenta outros

elementos que modificam o comportamento esperado.

MUDANÇA DE ATITUDES

Nossas atitudes podem ser modificadas a partir de novas

informações, novos afetos ou novos comportamentos ou situações.

Assim, podemos mudar nossa atitude em relação a um

determinado objeto porque descobrimos que ele faz bem à saúde ou nos

[pg. 137]

ajuda de alguma forma. Por exemplo, se você desenvolveu

uma atitude negativa em relação ao nosso livro porque não gostou da

capa, esperamos que após sua leitura você possa modificá-la pela

constatação de que ele o ajuda, de alguma forma, a compreender melhor

o mundo.

Podemos ainda mudar uma atitude quando somos obrigados a nos

comportar em desacordo com ela. Exemplo: você não gosta dos rapazes

que moram no seu prédio (atitude negativa), mas será obrigado a

conviver com eles, porque passaram a estudar na mesma classe. Para

evitar uma tensão constante, que o levaria a um conflito, você tentará

descobrir aspectos positivos neles (como o fato de serem bons alunos ou

muito requisitados pelas garotas), que permitam uma aproximação e a

mudança de atitude (atitude positiva).

Existe uma forte tendência a manter os componentes das atitudes

em consonância. Informações positivas sobre os rapazes, por exemplo,

levarão a afeto positivo. Informação positiva e afeto positivo levam a um

comportamento favorável na direção do objeto.

PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO

Nesse nosso encontro, vimos que nossas atitudes são importantes,

pois, em certo sentido, são elas que norteiam nosso comportamento.

Ainda há a influência dos motivos, interesses e necessidades com que

nos apresentamos na situação. Este conjunto de aspectos psicológicos

permite-nos compreender, atribuir significado e responder ao outro.

E você deve estar então se perguntando: “De onde vem este

conjunto de aspectos tão importantes?”.

A formação do conjunto de nossas crenças, valores e significações

dá-se no processo que a Psicologia social denominou socialização.

Nesse processo, o indivíduo torna-se membro de um determinado

conjunto social, aprendendo seus códigos, suas normas e regras básicas

de relacionamento, apropriando-se do conjunto de conhecimentos já

sistematizados e acumulados por esse conjunto.

GRUPOS SOCIAIS

Claro que existem as

organizações ou elementos

que servem de intermediários

entre o conjunto social mais

amplo e o indivíduo. Essa

intermediação é feita pelos

grupos sociais. [pg. 138]

Assim, quando se dá

esse nosso encontro,

poderíamos dizer que estão-se encontrando representantes de diferentes

grupos sociais: você, representando sua família, seus grupos de amigos,

seu grupo racial, seu grupo religioso etc. e, de outro lado, nós,

representando nossos grupos de pertencimento ou de referência, que

são aqueles a que pertencemos ou em que nos referenciamos para

saber como nos comportar, o que dizer, como perceber o outro, do que

gostar ou não gostar.

Os grupos sociais são pequenas organizações de indivíduos que,

possuindo objetivos comuns, desenvolvem ações na direção desses

objetivos. Para garantir essa organização, possuem normas; formas de

pressionar seus integrantes para que se conformem às normas; um

funcionamento determinado, com tarefas e funções distribuídas entre

seus membros; formas de cooperação e de competição; apresentam

aspectos que atraem os indivíduos, impedindo que abandonem o grupo.

A Psicologia social dedicou grande parte de seus estudos à

compreensão desses processos grupais, como veremos no capítulo 15.

PAPÉIS SOCIAIS

E para terminarmos esse nosso encontro social precisamos falar

um pouco ainda dos papéis sociais.

Entendida a sociedade como um conjunto de posições sociais

(como a posição de médico, de professor, de aluno, de filho, de pai),

todas as expectativas de comportamento estabelecidas pelo conjunto

social para os ocupantes das diferentes posições sociais determinam o

chamado papel prescrito. Assim, sabemos o que esperar de alguém

que ocupa uma determinada posição.

Portanto, no nosso encontro, ao sabermos que você é um

estudante, saberemos também alguns comportamentos que deveremos

esperar de você, e, por sua vez, você saberá o que esperar de nós,

professores.

Todos os comportamentos que manifestamos no nosso encontro

são chamados, na Psicologia social, de papel desempenhado. Tais

comportamentos, por sua vez, podem ou não estar de acordo com a

prescrição social, isto é, as normas prescritas socialmente para o

desempenho de um determinado papel. [pg. 139]

Os papéis sociais permitem-nos compreender a situação social,

pois são referências para a nossa percepção do outro, ao mesmo tempo

que são referências para o nosso próprio comportamento. Se no

encontro social nos apresentamos como ocupantes da posição de

professores ou autores de um livro, sabemos como nos comportar,

porque aprendemos, no decorrer de nossa socialização, o que está

prescrito para os ocupantes dessas posições. Se formos convidados a

proferir uma palestra na sua escola, não iremos vestidos como se

estivéssemos indo para o clube.

E aqui vale a pena ressaltar que, quando aprendemos um papel

social, aprendemos também o papel complementar, isto é, quando

aprendemos a nos comportar como alunos, desde o início de nossa vida

escolar, estamos também aprendendo o papel do outro com quem

interagimos — o papel do professor.

Os diferentes papéis sociais e a nossa enorme plasticidade como

seres humanos permitem que nos adaptemos às diferentes situações

sociais e que sejamos capazes de nos comportar diferentemente em

cada uma delas. Aprender os nossos papéis sociais é, na realidade,

aprender o conjunto de rituais que nossa sociedade criou.

Para finalizar, gostaríamos de deixar registrado que cada encontro

social, cada momento de comunicação e interação entre as pessoas são

sempre momentos de nosso processo de socialização, que é ininterrupto

no decorrer de nossas vidas.

E assim nos despedimos: — Foi um prazer conhecê-lo e

esperamos nos encontrar novamente. Obrigado pela atenção.

CRÍTICAS À PSICOLOGIA SOCIAL

Aqui um novo encontro se inicia, pois temos algumas coisas a

dizer sobre o nosso encontro passado.

A teoria da Psicologia social, que orientou o nosso encontro

anterior, tem recebido, hoje em dia, inúmeras críticas. Apontamos agora

as principais:

a. É uma Psicologia social baseada em um método descritivo, ou seja,

um método que se propõe a descrever aquilo que é observável, fatual.

É uma psicologia que organiza e dá nome aos processos observáveis

dos encontros sociais.

b. É uma Psicologia social que tem seu desenvolvimento comprometido

com os objetivos da sociedade norte-americana do pós-guerra, que

precisava de conhecimentos e de instrumentos que possibilitassem a

intervenção na realidade, de forma a obter resultados [pg. 140]

imediatos, com a intenção de recuperar uma nação, garantindo o

aumento da produtividade econômica. Não é para menos que os

temas mais desenvolvidos foram a comunicação persuasiva, a

mudança de atitudes, a dinâmica grupal etc., voltados sempre para a

procura de “fórmulas de ajustamento e adequação de

comportamentos individuais ao contexto social”2.

c. É uma Psicologia social que parte de uma noção estreita do social,

Este é considerado apenas como a relação entre pessoas — a

interação social —, e não como um conjunto de produções humanas

capazes de, ao mesmo tempo em que vão construindo a realidade

social, construir também o indivíduo. Esta concepção será a referência

para a construção de uma nova Psicologia social.

UMA NOVA PSICOLOGIA SOCIAL

Com uma posição mais crítica em relação à realidade social e à

contribuição da ciência para a transformação da sociedade, vem sendo

desenvolvida uma nova Psicologia social, buscando a superação das

limitações apontadas anteriormente.

2 S. T. M. Lane. O que é Psicologia social, p. 76.

A Psicologia social mantém-se aqui como uma área de

conhecimento da Psicologia, que procura aprofundar o conhecimento da

natureza social do fenômeno psíquico.

O que quer dizer isso?

A subjetividade humana

surge do contato entre os homens

e dos homens com a

Natureza, isto é, esse mundo

interno que possuímos e suas

expressões são construídas

nas relações sociais.

Assim, a Psicologia

social como área de

conhecimento, passa a

estudar o psiquismo humano,

objeto da Psicologia, buscando compreender como se dá a construção

desse mundo interno a partir das relações sociais vividas pelo homem. O

mundo objetivo passa a ser visto não como fator de influência para o

desenvolvimento da subjetividade, mas como fator constitutivo. [pg. 141]

Numa concepção como essa, o comportamento deixa de ser “o

objeto de estudo”, para ser uma das expressões do mundo psíquico e

fonte importante de dados para a compreensão da subjetividade, pois ele

se encontra no nível do empírico e pode ser observado; no entanto, essa

nova Psicologia social pretende ir além do que é observável, ou seja,

além do comportamento, buscando compreender o mundo invisível do

homem.

Além disso, essa Psicologia social abandona por completo a

diferença entre comportamento em situação de interação ou nãointeração.

O homem é um ser social por natureza. Entende-se aqui que

cada indivíduo aprende a ser um homem nas relações com os outros

homens, quando se apropria da realidade criada pelas gerações

anteriores, apropriação que se dá pelo manuseio dos instrumentos e pelo

A Psicologia social, hoje, busca romper com uma

ciência que contribuiu apenas para a manipulação e

massificação da sociedade.

aprendizado da cultura humana.

O homem como um ser social, como um ser de relações sociais,

está em permanente movimento. Estamos sempre nos transformando,

apesar de aparentemente nos mantermos iguais. Isso porque nosso

mundo interno se alimenta dos conteúdos que vêm do mundo externo e,

como nossa relação com esse mundo externo não cessa, estamos

sempre como que fazendo a “digestão” desses alimentos e, portanto,

sempre em movimento, em processo de transformação.

Ora, se estamos em permanente movimento, não podemos ter um

conjunto teórico onde os conceitos paralisam nosso objeto de estudo. Se

nos limitarmos a falar das atitudes, da percepção, dos papéis sociais e

acreditarmos que com isso compreendemos o homem, não estaremos

percebendo que, ao desempenhar esse papel, ao perceber o outro e ao

desenvolver ou falar sobre sua atitude, o homem estará em movimento.

Por isso, nossa metodologia e nosso corpo teórico devem ser capazes

de captar esse homem em movimento.

E, superando esse conceitual da antiga Psicologia social, a nova

irá propor, como conceitos básicos de análise, a atividade, a consciência

e a identidade, que são as propriedades ou características essenciais do

homem e expressam o movimento humano. Esses conceitos e

concepções foram e vêm sendo desenvolvidos por vários autores.

Citamos, entre eles: Vigotski, Alexis Leontiev e Luria, autores soviéticos

que produziram até a década de 60; Silvia Lane e Antônio Ciampa, que

são brasileiros e trabalham ativamente na PUC-SP.

ATIVIDADE

É a unidade básica fundamental da vida do sujeito material. É

através da atividade que o homem se apropria do mundo, ou seja, é a

atividade que propicia a transição daquilo que está fora do homem [pg.142]

para dentro dele. Pense na criança, onde isso tudo fica mais

evidente. Ela se apropria do mundo engatinhando, andando ou

percorrendo com os olhos o mundo circundante. Ela manuseia os

objetos, desmonta-os

(infelizmente, nós compreendemos

isso, às vezes, como destruição),

monta-os, balança, lambe, ouve,

vê, enfim, do ponto de vista da

Psicologia social, coloca-os para

dentro de si, transforma-os em

imagens e em idéias que passam a

habitar seu mundo interno.

A prática humana, ou, como

estamos chamando aqui, a

atividade humana, é a base do

conhecimento e do pensamento do

homem. Estamos considerando que os indivíduos apresentam uma

necessidade de manter uma relação ativa com o mundo externo. Para

existirmos, precisamos atuar sobre o mundo, transformando-o de acordo

com nossas necessidades. Ao fazer isso, estamos construindo a nós

mesmos.

Esperamos que você tenha notado que o homem constrói o seu

mundo interno na medida em que atua e transforma o mundo externo.

Mundos externo e interno são, portanto, imbricados, pois são construídos

num mesmo processo, e a existência de um depende da do outro.

Atuar no mundo é uma propriedade do homem, isto é, a atividade é

uma das suas determinações.

CONSCIÊNCIA

A consciência humana expressa a forma como o homem se

relaciona com o mundo objetivo. As aranhas constroem suas teias e

reagem à vibração nelas produzida por insetos que ali ficam presos.

Essa é a forma como as aranhas reagem ao mundo externo. As abelhas,

os pássaros, os peixes e todos os animais apresentam uma maneira

Para existirmos, precisamos atuar sobre o

mundo, transformando-o de acordo com as

nossas necessidades.

específica de relação com o mundo. O homem também apresenta o seu

modo de reagir ao mundo objetivo: ele o compreende, isto é, transformao

em idéias e imagens e estabelece relações entre essas informações,

de modo a compreender o que se produz na realidade ambiente. A

consciência é, assim, um certo saber. Nós reagimos ao mundo

compreendendo-o, “sabendo-o”. [pg. 143]

A consciência não se limita apenas ao saber lógico. Ela inclui o

saber das emoções e sentimentos do homem, o saber dos desejos, o

saber do inconsciente.

Como maneira de reagir ao mundo, a consciência está em

permanente movimento.

E como será que ela surge?

A consciência não é manifestação de alguma capacidade mística

no cérebro humano. A consciência do homem é produto das relações

sociais que os homens estabelecem. Sem dúvida, foi necessário um

aperfeiçoamento do cérebro humano para que se tornasse capaz de

pensar o mundo através de imagens, símbolos e de estabelecer relações

entre os objetos desse mundo, tornando-se mesmo capaz de antecipar a

realidade. Mas acredita-se que somente o aperfeiçoamento do cérebro

não seria suficiente para propiciar o surgimento da consciência humana,

ou melhor, que esse aperfeiçoamento não teria lugar, se não houvesse

condições externas ao homem que o estimulassem.

Essas condições externas estão hoje pensadas como o trabalho, a

vida social e a linguagem.

A consciência, como produto subjetivo, como apropriação pelo

homem do mundo objetivo, produz-se em um processo ativo, que tem

como base a atividade sobre o mundo, a linguagem e as relações

sociais.

O homem encontra um mundo de objetos e significados já

construídos pelos outros homens. Nas relações sociais, ele se apropria

desse mundo cultural e desenvolve o “sentido pessoal”. Produz, assim,

uma compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros,

compreensão construída no processo de produção da existência,

compreensão que tem sua matéria-prima na realidade objetiva e na

realidade social, mas que é própria do indivíduo, pois é resultado de um

trabalho seu.

E você agora deve estar perguntando: e como eu posso estudar a

consciência dos indivíduos, se ela é invisível, dado que é mundo interno

e não tem uma forma corpórea, física?

Estuda-se a consciência através de suas mediações. No mundo

observável, vamos encontrar, por exemplo, as representações sociais,

veiculadas pela linguagem, que são expressões da consciência. Quando

alguém discursa ou simplesmente fala sobre algum assunto, está se

referindo ao mundo real e expressa sua consciência através das

representações sociais. A representação social é a denominação dada

ao conjunto de idéias que articula os significados sociais, isto é, o sentido

construído coletivamente para o objeto, [pg. 144]

com o sentido pessoal.

Envolve crenças, valores e imagens que os indivíduos constroem, no

decorrer de suas vidas, a partir da vivência na sociedade.

IDENTIDADE

Outro conceito importante nessa nova Psicologia social é o de

identidade (veja capítulo 14).

Se a consciência está em movimento, se o homem,

conseqüentemente, está em movimento, a consciência que desenvolve

sobre o “eu mesmo” não poderia estar parada. Ela também está em

movimento.

O indivíduo, nessa concepção, é um eterno transformar-se, mesmo

que aparentemente continue com os mesmos olhos, cabelos e até

consiga manter seu peso. Isso é só aparência. Estamos nos

transformando a cada momento, a cada nova relação com o mundo

social e sabemos disso. A consciência que desenvolvemos sobre “quem

sou eu” acompanha esse movimento do real, às vezes com mais

facilidade, às vezes com menos, mas acompanha.

Identidade é a denominação dada às representações e

sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si próprio, a partir

do conjunto de suas vivências. A identidade é a síntese pessoal sobre o

si-mesmo, incluindo dados pessoais (cor, sexo, idade), biografia

(trajetória pessoal), atributos que os outros lhe conferem, permitindo uma

representação a respeito de si.

Este conceito supera a compreensão do homem enquanto

conjunto de papéis, de valores, de habilidades, de atitudes etc., pois

compreende todos estes aspectos integrados — o homem como

totalidade — e busca captar a singularidade do indivíduo, produzida no

confronto com o outro.

A mudança nas

situações sociais, a mudança

na história de vida e nas

relações sociais determinam

um processar contínuo na

definição de si mesmo.

Neste sentido, a

identidade do indivíduo deixa

de ser algo estático e

acabado, para ser um

processo contínuo de

representações de seu “estar sendo” no mundo. [pg. 145]

UMA ÚLTIMA QUESTÃO

Que diferença há entre essa nova Psicologia social e aquela do

início do capítulo?

Há muitas diferenças. A do início do capítulo é uma Psicologia

descritiva. Procura organizar e dar nome aos processos observáveis que

ocorrem nas interações sociais. A nova proposta busca ser explicativa ou

compreensiva. Deseja-se explicar/compreender a relação que o indivíduo

mantém com a sociedade e os processos subjetivos que vão ocorrendo

O conflito social expressa tanto as condições objetivas

quanto a subjetividade de seus atores.

nessa relação.

Outro aspecto bastante significativo, que merece destaque nessa

diferenciação, é a maneira de conceber o homem. A Psicologia social

tradicional pensa o homem como um ser que reage às estimulações

externas, atribui-lhes significado e se comporta. O homem é um ser no

espaço social. A nova Psicologia social o concebe como um ser de

natureza social. O homem é um ser social, que constrói a si próprio, ao

mesmo tempo que constrói, com os outros homens, a sociedade e sua

história. A nova Psicologia social desvincula-se da tradição norteamericana

de ciência pragmática, com intenções de prever o

comportamento e manipulá-lo, optando por uma ciência que, ao melhorar

a compreensão que se tem da realidade social e humana, permita ao

homem transformá-la. Assim, é um conhecimento que se busca produzir

para ser divulgado, distribuído, discutido por um número maior de

pessoas, extrapolando os muros das universidades. Esses aspectos são

muito importantes, porque abrem a possibilidade para uma ciência

comprometida com a transformação, abandonando de vez os modelos de

ciência que servem para justificar a desumanidade existente em nossa

sociedade, por considerar naturais todas as desigualdades e formas de

exploração.

Essa nova Psicologia social permite que se compreenda o que

acontece conosco na sociedade brasileira, pois ela parte desta realidade

para compreender os elementos do mundo interno que estão sendo

construídos: como estamos representando a juventude ou a infância?

como estamos representando a nossa sexualidade? nosso trabalho?

quem somos nós, os brasileiros? Para responder a questões como

essas, a Psicologia social vai recorrer aos conceitos de atividade,

consciência e identidade, promovendo um estudo sobre o fazer, o pensar

e o agir dos homens em nossa sociedade, e será a articulação entre

esses elementos que permitirá a resposta à questão. [pg. 146]

Texto Complementar

1. TODA A PSICOLOGIA É SOCIAL

Esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da

Psicologia à Psicologia social, mas sim cada uma assumir dentro da sua

especificidade a natureza histórico-social do ser humano. Desde o

desenvolvimento infantil até as patologias e as técnicas de intervenção,

características do psicólogo, devem ser analisadas criticamente à luz

desta concepção do ser humano — é a clareza de que não se pode

conhecer qualquer comportamento humano isolando-o ou fragmentandoo,

como se este existisse em si e por si.

Também com esta afirmativa não negamos a especificidade da

Psicologia social — ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo

no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo que lhe é específico

como naquilo em que ele é manifestação grupal e social. Porém, agora a

Psicologia social poderá responder à questão de como o homem é

sujeito da História e transformador de sua própria vida e da sua

sociedade, assim como qualquer outra área da Psicologia.

Silvia T. M. Lane. A Psicologia social e uma nova concepção do homem

para a Psicologia. In: Silvia T. M. Lane e Wanderley Codo (org.). Psicologia social:

o homem em movimento. São Paulo, Brasiliense, 1984. p. 19.

2. COMIDA

Bebida é água.

Comida é pasto.

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?

A gente não quer só comida,

A gente quer comida, diversão e arte.

A gente não quer só comida,

A gente quer saída para qualquer parte.

A gente não quer só comida,

A gente quer bebida, diversão, balé.

A gente não quer só comida,

A gente quer a vida como a vida quer.

Bebida é água.

Comida é pasto.

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?

A gente não quer só comer,

A gente quer comer e quer fazer amor.

A gente não quer só comer,

A gente quer prazer pra aliviar a dor.

A gente não quer só dinheiro,

A gente quer dinheiro e felicidade.

A gente não quer só dinheiro,

A gente quer inteiro e não pela metade.

Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer & Sérgio Britto.

Comida. In: Titãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas.

LP. São Paulo, BMG Ariola, 670.4033. [pg. 147]

Questões

1. Como Aroldo Rodrigues define a Psicologia social?

2. O que é percepção social? E comunicação?

3. O conhecimento da atitude garante uma previsão do comportamento?

Explique.

4. O que é processo de socialização?

5. O que significa aprender papéis sociais?

6. Quais as principais críticas que são feitas hoje à Psicologia social?

7. Quais os conceitos que estão sendo desenvolvidos numa nova

Psicologia social?

8. Para a nova Psicologia social, o homem é um ser social que está em

permanente movimento. Como você compreende essa concepção?

Atividades em grupo

1. A partir da letra da música dos Titãs (Comida), discutam:

a. Quais as expectativas sociais (papel prescrito) para os jovens, em

nossa sociedade, e qual a identidade que os Titãs apresentam para

a juventude?

b. Considerem agora as atividades dos jovens em nossa sociedade e

as representações ou imagens que vigoram hoje, para fazer uma

análise da identidade do seu grupo de jovens.

2. Caracterizem e discutam a cooperação e a competição presentes nas

relações sociais na sua sala de aula. Qual a expectativa do grupo

sobre o desempenho do professor diante dessa situação?

Bibliografia indicada

Para o aluno

Um livro acessível é o de Silvia T. M. Lane, O que é Psicologia

social, da coleção Primeiros Passos (São Paulo, Brasiliense, 1986).

Para o professor

Existem vários livros de fácil acesso para o desenvolvimento e

aprofundamento dos diversos conceitos da Psicologia social

apresentados neste capítulo. O tradicional manual Psicologia social

(Petrópolis, Vozes, 1972), de Aroldo Rodrigues, apresenta os conceitos

de tal forma, que nos permite estudá-los separadamente. Outro livro mais

atual e que também traz os diversos conceitos é o de Helmuth Krüger,

Introdução à Psicologia social, da coleção Temas Básicos de

Psicologia (São Paulo, EPU, 1986). Este livro aborda a Psicologia social

do ponto de vista da teoria cognitivista. Nesta mesma abordagem, existe

ainda o tradicional manual de Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria,

de Cartwright e Zander (São Paulo, EPU/USP, 1975), que aborda todos

os aspectos de grupo estudados pela Psicologia social. [pg. 148]

O livro Psicologia social, de Freedman, Carlsmith e Sears (São

Paulo, Cultrix, 1970), permite um aprofundamento dos conceitos de

atitude, mudança de atitude e percepção.

Não podemos deixar de indicar uma bibliografia em Psicologia

social que apresente as críticas que se têm feito aos conhecimentos

desenvolvidos nesta área, enfocando a Psicologia social crítica, de forma

embrionária.

Nesta perspectiva, uma das obras é Psicologia social: o homem

em movimento, organizada por Silvia T. M. Lane e Wanderley Codo

(São Paulo, Brasiliense, 1984), com a contribuição de vários autores. A

obra traz, na introdução, uma nova concepção de homem e, nos textos

da parte 2, os conceitos indicados por nós: representação social,

identidade e consciência social.

Recentemente, a vertente crítica da Psicologia social ganhou

novos e importantes títulos, como é o caso de Novas veredas da

Psicologia social, trabalho organizado por Silvia T. M. Lane e Bader B.

Sowaia (São Paulo, Brasiliense, 1995); Psicologia social

contemporânea, de Marlene N. Strey et alii (Rio de Janeiro, Vozes,

1998); Psicologia social comunitária, de Regina Helena de F. Campos

(org.) (Rio de Janeiro, Vozes, 1996); O conhecimento do cotidiano: as

representações sociais na perspectiva da Psicologia social, de

Maryjane Spink (org.) (São Paulo, Brasiliense, 1993) e Estudos sobre

comportamento político: teoria e pesquisa, de Leôncio Camino,

Louise Lhulher, Salvador Sandoval (org.) (Florianópolis, Letras

Contemporâneas, 1997).

Filmes indicados

O pescador de ilusões. Diretor Terry Gilliam (EUA, 1991) – Um

radialista bem-sucedido, sem compromissos éticos, vive uma crise de

consciência e encontra em seu caminho um mendigo que muda sua

trajetória de vida.

Este filme mostra como os valores e atitudes mudam o

comportamento das pessoas. Pode ser analisado, com sucesso, em

ambas as abordagens da Psicologia social. [pg. 149]

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